terça-feira, 17 de julho de 2012

Keane no Cascais Music Festival - Disconnected? Bem pelo contrário!



Observar a multidão que se aglomera perante o palco do Hipódromo Municipal Manuel Possolo para assistir à atuação de Keane, na abertura da primeira edição do Cascais Music Festival, é um exercício, no mínimo, intrigante. Reparamos em personagens tão distintas como uma adolescente com indumentária personalizada, que eleva um cartaz com uma mensagem dirigida ao vocalista, um par de metros à frente de um fotógrafo amador de meia-idade com a câmara em riste, ladeado de um casal cinquentenário de braços cruzados. Enquanto isso, ali perto, uma família não pára de circular, errante, no miolo da plateia, à procura de um espaço com visibilidade para o filho, cujo bilhete para o espetáculo provavelmente resulta de uma espécie de prémio pelo fato de ter concluído a escola primária.


Contar-se-ão pelos dedos de uma mão o número de bandas nascidas na última década que conseguiram fidelizar uma falange de apoio tão diversificada.


Tamanha miscelânea poderia induzir os mais céticos a anteciparem um concerto frouxo, devido a uma potencial falta de fulgor demonstrada por um público aparentemente mortiço. Felizmente, porém, as aparências enganam e, assim que Tom Chaplin e companhia surgiram diante da multidão, percebeu-se que, afinal, a mistura etária não poderia ter um efeito mais homogéneo.


O arranque do espetáculo com You Are Young foi um mote quase desnecessário para que a plateia se deixasse rejuvenescer instantaneamente e fundir-se num espírito de celebração efusiva, a que ninguém no recinto pôde ficar indiferente. Estava visto que a noite seria arrebatadora para ambas as partes.


Assim que foram abertas as portas do Hipódromo Municipal Manuel Possolo, alguns membros da organização do evento haviam tentado impedir os fãs de correrem para a grade, sob o pretexto de se evitarem estragos no gramado. Todavia, logo na etapa inicial da sua atuação, o quarteto britânico evidenciou que não estava minimamente preocupado com a integridade da relva. Alternando um par de êxitos consagrados – Bend And Break e Nothing In My Way – com os dois temas mais vigorosos do seu último álbum – Day Will Come e On The Road –, a banda apostou numa sequência dinâmica que, desde cedo, deixou a assistência a dançar e a pular ao som quase estridente emitido pelas colunas instaladas no palco.


A melancolia de We Might As Well Be Strangers traria alguns minutos de serenidade ao espetáculo, antes de se fazer soar o riff épico de Perfect Symmetry, única canção do terceiro álbum de estúdio a ser resgatada para o alinhamento. Claramente, Keane tem vindo a renunciar à sonoridade experimental que marcou o seu período pré-Strangeland, uma posição repetidamente denunciada por diferentes membros do grupo através de entrevistas. É óbvio que, mais do que nunca, a banda procura colar-se ao piano rock que a catapultou para a ribalta, sendo esse, de resto, um estilo que também marca o último disco. Presume-se que tal seja o motivo por detrás do divórcio de temas como Spiralling e The Lovers Are Losing, cuja constante omissão na presente digressão tem sido indisfarçável.


Posteriormente, Silenced By The Night foi recebida com uma euforia digna de um clássico, sendo sucedida por Everybody’s Changing, uma das faixas mais emblemáticas da carreira de Keane. Apesar de ter acompanhado Tom Chaplin de uma forma desgarrada ao longo da apresentação do tema, o público não se deixou silenciar pelo acorde final e tomou a iniciativa de repetir o refrão a capella, para regozijo dos rapazes em palco. O hábito viria a banalizar-se no decorrer do serão.


Depois de The Starting Line, que deixou muitos olhos cintilantes, e Leaving So Soon?, entusiasticamente saudada pelos seguidores mais acérrimos da banda, chegaria Disconnected, sem dúvida, um dos pontos culminantes do concerto. Uma vez mais, a assistência demonstrou ter a lição bem estudada e vociferou na íntegra a letra do segundo single extraído de Strangeland, que, recorde-se, foi lançado no mercado há pouco mais de dois meses atrás.


Após mais uma performance em coro uníssono por parte da plateia, o vocalista Tom Chaplin, rendido, deixou um rasgado elogio ao público nacional, nas palavras do próprio, o mais afinado que encontrou em todo o mundo até hoje. Modéstia à parte, não duvidamos.


Entre trocas de aplausos e agradecimentos intermináveis entre artistas e espetadores, seria introduzida A Bad Dream, taciturna como a conhecemos, seguida de uma revisita bem-aventurada a Hopes And Fears, com This Is The Last Time e Somewhere Only We Know. Como se o público ainda não estivesse suficientemente empolgado, Tim Rice-Oxley, com a sua rotineira pancada na tampa do piano, desencadearia uma reação extasiante ao som de Is It Any Wonder?.


Uma breve pausa durante a qual Tom Chaplin reiterou o seu amor por Portugal – não só como um dos seus destinos turísticos prediletos, mas também como um dos palcos mais acolhedores que já pisou – antecedeu Bedshaped. Foi a última canção tocada pela banda antes de se retirar para os bastidores e aquela cujo refrão a multidão ecoou até se certificar de que teria direito a um merecido encore.


A reverência silenciosa suscitada pela interpretação de Sea Fog, apenas com piano e voz, foi sucedida pela nostalgia altruísta despontada por Sovereign Light Café. Tim Rice-Oxley sorri enquanto ouve a plateia cantar apaixonadamente o nome do pequeno estabelecimento em Bexhill-on-Sea, que lhe serviu de inspiração para a composição de mais um hino que atesta o sucesso de Strangeland. A imagem de milhares de mãos no ar a baterem palmas ao ritmo do solo ruidoso de Crystal Ball é a derradeira recordação marcante de mais uma apresentação triunfal de Keane em Portugal, com direito a um inesperado segundo encore.


Para surpresa de alguns, assim que terminou My Shadow, os membros da banda ausentaram-se, dispensando a habitual vénia sincronizada no centro do palco, e deram lugar ao staff que, prontamente, começou a desmantelar o cenário. Rompeu-se o casamento perfeito com o público de uma maneira algo abrupta, mas compreende-se a pressa, já que, por essa altura, faltavam menos de quarenta e oito horas para a atuação do grupo em Helsínquia, na Finlândia.


Uma vez mais, foi demonstrado que a qualidade de um espetáculo se sustenta exclusivamente sobre dois pilares fundamentais: a competência dos artistas e a recetividade do público. A participação de Keane no Cascais Music Festival voltou a comprovar essa máxima, tendo em conta que o concerto foi realizado num palco demasiado simplista e decorado com modéstia escusada, apenas camuflado por uma iluminação que satisfez os requisitos mínimos.


Em suma, sublinhe-se que esta prestação da banda britânica em Portugal só poderá ter pecado por curta. Contudo, já existem oportunidades de redenção em aberto, no próximo mês de Outubro, no Campo Pequeno, em Lisboa, e no Coliseu do Porto.

Texto e fotos Keane Portugal e Strangelander

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