quarta-feira, 27 de junho de 2012

Artigo | The Guardian | William Boyd


William Boyd para além de romancista e escritor de bestsellers é também o autor da pequena história presente na versão Deluxe do último Strangeland.
Num artigo escrito para o site do jornal britânico The Guardian, fala da sua relação com os Keane, com a história que escreveu intitulada The Sovereigh Light Café e as mútuas inspirações tanto do escritor como da banda.

Lê o original aqui.


William Boyd: Porque adoro os Keane

No vasto espectrum das artes, dois mundos raramente se cruzam – o mundo da literatura e o mundo da música rock. Há exceções, claro – Salman Rushdie escreveu uma música para os U2; Nick Cave escreveu dois romances ótimos – mas estes são instantes pouco usuais, diria eu. O meu próprio caso é típico. Apesar de sempre ter sido um ávido consumidor de música contemporânea desde o início da minha adolescência, o mundo da música rock sempre foi algo distante – ouvia, lia, falava sobre isso mas tinha pouco ou quase nenhum contacto com as suas pessoas. É como o mundo dos astrofísicos ou da indústria de armamentos, diria: Tenho consciência das suas zonas de atividade mas não tinha colidido com elas. Bizarramente, eu conheci o David Bowie porque nos juntamos para um editorial de uma revista de arte, a Modern Painters. Nós costumavamos sentar-nos juntos – os rapazes novos – nas reuniões para o editorial. Conheci brevemente outros ícones de rock em algumas ocasiões sociais mas estes encontros foram todos aleatórios – e todos muito engraçados por esse motivo. Mas no caso dos Keane e eu foi diferente.
Nos anos 1980 e 90 eu tive uma espécie de aura sabática da música rock americana e anglo-saxónica. Os gostos mudam, penso eu, mas eu descobri os ritmos, energias e melodias da música da América Latina e de África muito mais sedutora do que a música oferecida pelo Ocidente. A música de Elis Regina, Milton Nascimento, Jorge Dexler, Cheikh Lô e Fela Kuti eram muito mais familiares do que Bruce Springsteen e Oasis, por exemplo.
Eu não abandonei totalmente o rock ocidental – deixei metade do meu ouvido aberto e foram as vozes que suavemente me atraíram de novo. A Björk começou, depois artistas como Polly Paulusma, Fiona Apple, Thea Gilmore começaram a seduzir-me – alguma coisa idiossincrática e assombrosa nas vozes fez com que investigasse a música mais profundamente. E então, em 2003, ouvi o primeiro single dos Keane, Everybody’s Changing, e desta vez a voz era de Tom Chaplin.

Comprei o Hopes And Fears, o primeiro disco. Não era apenas a voz volátil e vibrante que me tinha conquistado: Hopes And Fears era inequivocamente um grande álbum – não era um fracasso e tinha uma generosidade melódica que surpreendeu o rock britânico contemporâneo. As teclas sombrias de Tim Rice-Oxley podem ser o som característico dos Keane mas o seu talento para escrever grandes músicas pop/rock de 3 minutos e meio é prodigioso. O álbum atingiu o número 1 das tabelas num instante – o primeiro de cinco álbuns consecutivos a atingir o número 1. A produção dos Keane não é prolífera, devo dizer – quatro álbuns e um EP em oito anos é um risco para o “standart” – e exigências – da indústria da música rock.
Até agora tudo relativamente normal. Um entusiasmo nasceu. Mas um desses momentos da teoria dos Seis Graus de Separação estava para acontecer. Os pais de um amigo meu conheciam os pais de Chaplin. Por outros meios soube que os Keane tinham escrito uma música chamada Any Human Heart, inspirado num romance meu com o mesmo nome. Penso que na altura selecionei o Hopes And Fears como um dos álbuns britânicos que eu realmente gostei para um jornal nacional por alturas do Natal. Será que os Keane tiveram o mesmo “feedback”? Questiono porque de repente eu fui convidado a presentear a banda com um prémio da cerimónia da MTV em Amesterdão – eu rejeitei. Um convite para assistir a um concerto seguiu-se – eu não pude ir. Numa outra ocasião para outro jornal mencionei que os Keane eram uma das minhas bandas favoritas. Obviamente que as nossas órbitas estavam a começar a aproximar-se, se não a intersetar-se. Achei curioso como, sem um grande esforço da minha parte, ou da banda, começámos misteriosamente a criar um contacto.
Comprei, inquestionavelmente, todos os outros álbuns que eles tinham lançado – Under The Iron Sea, Perfect Symmetry e Night Train – e observei os Keane a flectirem diferentes músculos musicais, a explorar outros atalhos musicais. Finalmente, eventualmente, Rice-Oxley e eu planeámos um encontro. Falámos da música Any Human Heart que, nunca fez parte de nenhum álbum. Perguntei-lhe se estaria interessado em criar bandas sonoras para filmes – ele disse que sim. Nós descobrimos que partilhávamos uma quase-veneração pelo talentoso compositor Paul Simon.

Rice-Oxley e eu encontramo-nos de novo para um almoço. Por esta altura o quinto álbum da banda já estava a ser criado – Strangeland – um título inspirado num canto curiosamente isolado do sudeste de Inglaterra (East Sussex/West Kent) onde Rice-Oxley e Chaplin nasceram e cresceram. O sudeste de Inglaterra é uma das zonas mais populacionadas da Europa mas há uma parte significativa da zona rural tanto de Sussex como de Kent que é estranhamente remota, tanto no interior como no litoral, mesmo estando apenas a duas horas de Londres. Outra coincidência é que grande parte do meu novo romance, Waiting For Sunrise, acontece também no interior e ao longo da costa. Hastings, Rye, Winchelsea, Deal, Hythe, Battle e Romney Marsh todas são fortemente destacadas na minha narrativa.

Depois foi sugerido que eu escrevesse uma pequena história para ser incluída na edição Deluxe do novo álbum e pareceu-me a consequência mais natural do mundo. Foi um desafio interessante, de qualquer modo. Ficou claro que eu não conseguia escrever o tipo de “vídeo” ficcional de uma das músicas. As letras faziam isso e uma versão mais longa e detalhada de uma canção era apenas ser redundante. A inspiração tinha de ser mais indireta. Decidi escolher um dos títulos de uma das suas canções, Sovereigh Light Café, como título da minha pequena história e simplesmente começar por ali. A história que escrevi é de longe um reflexo da música mas é passado em Bexhill-On-Sea onde a ação da música acontece – outro dos locais essenciais ingleses que define a linha de Brighton até Margate. Bexhill é único pois tem uma obra-prima art-deco em frente ao mar – o De La Warr Pavilion. O Sovereigh Light Café existe no passeio do pavilhão e é um clássico café à beira-mar depois da grande e imponente torre do farol da plataforma de Sovereigh Light, cujas luzes intermitentes podem ser confundidas como estrelas cadentes, no horizonte do Canal da Mancha, a alguns quilómetros do mar.

Fui até Bexhill para sentir a atmosfera. Os Keane iam tocar ao De La Warr Pavilion como uma espécie de agradecimento às pessoas que os cuidaram e inspiraram. A frente modesta de Bexhill é muito bem cuidada e de algum modo conseguiu evitar o movimento vulgar a que algumas cidades cederam. A praia é limpa e os canteiros de flores estão arranjados. O local é uma forma sugestiva de férias inglesas intemporais. As gaivotas grasnam, os miúdos andam de bicicleta, os pensionistas reformados olham para o horizonte infitino e contemplam a eternidade. Eu vagueei até ao passeio e comi uma sandes de salsicha com um copo de Chardonnay no Sovereigh Light Café. Fiz perguntas e tirei algumas fotografias – ideias para a pequena história que iria acabar aqui em Bexhill estavam a começar a tomar forma, quase espontaneamente.

Escusado será dizer que Bexhill é muito inglês e que o novo álbum dos Keane (direto para o número 1, de novo) é enraizado nesta parte de Inglaterra. Não é limitado em modo nenhum: é mais uma celebração do facto da vida acontecer aqui – nestes locais fora de época – com a mesma intensidade e paixão, alegria e tragédia, o mesmo quotidiano e tédio, assim como em qualquer parte do país – ou do mundo, até. A riqueza melódica do dom de Rice-Oxley e a sua incrível capacidade de surpreender em três minutos de música é finamente afiada em Strangeland assim como foi no Hopes And Fears. A voz de Chaplin mostra uma habilidade mais livre do que nunca (recomendo uma performance ao vivo para ouvirem a sua potência, desenfreadamente livre), Richard Hughes e Jesse Quin completam o apertado conjunto, desenvolvido após anos de tours. Os Keane são uma grande banda britânica – honesta e persistente em perseguir a sua própria visão. Sinto-me estranhamente feliz que o nosso lento, e sortudo encontro, se nada mais, juntou o mundo da literatura e o mundo da música rock. Provavelmente o encontro será produtivo num futuro próximo – esperemos para ver que novos dividendos poderão resultar.

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